como já dizia o Nenê Berola, amigo das antigas
“o cão que morde, não lembra
o cão mordido, nunca esquece”
esta é uma lenda de priscas eras, do tempo em que as diligências
sacolejavam na poeira do Velho Oeste
os animais falavam
e os dinossauros ainda se arrastavam sobre a face da Terra
férias escolares, andava aí pelos dezessete, dezoito certamente
que não, pois ainda não votava, mas nessa época ninguém votava
só que essa é outra história; vai que fui pra Bahia
na boleia de caminhão
a namorada não quis, ou não pôde, ou havia um programa
na família; resultado: não foi comigo
escalei o amigo Tonho Brown, outro das antigas
bicho (como se dizia naquele então), eu tava amarradão
a brota era papo firme, cabeça feita; olhava, sentia e pensava
o mundo como eu
me explico: não quero dizer que ela pensava igual
a mim, mas que tinha sacadas próprias, originais, não tinha
aquela velha opinião formada sobre tudo
ah, Morro de São Paulo, casa de pescador, banho de latão,
praia de manhã, PF uma vez por dia e forró à noite até o dia
clarear ― mamão com açúcar
Tonho ficou injuriado comigo nos rasta-pés: mulherio
chegando junto e eu só saindo de lado, jogando na retranca
cobrindo a zaga, afinal, tava paradão na mina
“Escuta, se é pra você ficar aí de vacilão, vou te contar...”
e por aí ele foi: arrodeou, pigarreou, enrolou, mas desembuchou
que tal e cousa e lousa e maripousa ― tinha furunfado com a mina
a minha mina! e o pior é que não foi vez
foram vezes! daí só deu Maysa na vitrola do coração
meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar...
saí da função cuspindo infâmias, que ele não era amigo
coisa nenhuma, um traíra, duas-caras, um pústula!
(essa eu tinha acabado de aprender num folheto)
a viagem tinha acabado, deixei o recinto pisando duro
degustando o fel da crocodilagem, ruminando o veneno da perfídia
rumo do barraco do pescador, Gonçalo, baiano sangue-bom
encontrei o Gonça num boteco e despejei-lhe minh’alma
ferida de Pierrô paspalhão;
arreganhando os belos dentes de imaculado branco
Gonçalo me conta a saga da sua recente desdita,
a burguesinha veio, se hospedou na sua humilde
cabana e dividiram cama, mesa e sonhos
jurou-lhe eterno amor, despediu-se em lágrimas, suplicou
que viesse para o Sul Maravilha, dormiria na edícula
da casa dos pais, até arranjar situação
“pois é, meu rei, não teve mole pra mim, não,
fui parar num cortiço em Sampa e, do sanduíche
de mortadela, só vi foi o dormido pão”
a gata já tinha se ligado em outro, burguesinho como ela
Damares fez dele gato-sapato, jogou ele abaixo de cão
“pe-pe-peraí Gonçalo, Damares?, mas, mas, então...”
você já adivinhou?, que ela era ela e o outro era eu?
Gonçalo se virou para o dono do estabelecimento
“Josafá, bote aí uma dose de amansa-corno p’a nós
mas capriche, que o caso é grave, visse?!”
Tonho se juntou a nós e daí não lembro mais nada,
só que terminamos a noite encachaçados até à alma
no único orelhão da ilha berrando para o pai dela:
“por favor, acorde ela, é caso de vida ou morte”
“você quer me explicar que palhaçada é essa?”
“Damares, não fica brava, nós só te ligamos
pra dizer que a gente te ama pra caraaaalhoooo!”
é o que eu sempre digo:
(embora essa seja do Serginho)
enquanto não der o sinal,
ainda é recreio
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