ZABA & MATHEUS 22:39
“Vô,
que é que é isso?!” ― de volta ao quarto, Matheus reassume os binóculos
enquanto o avô se aboleta no telescópio.
“Caramba,
caracoles, Jesus, Maria e José! Isso aí, menino, é a governanta da casa do
Capeta, a Rainha de Sabá, a Messalina da Boca do Lixo, o caminho mais rápido
pras chamas do inferno... que pedaçuda, essa dona!”
“Mas,
vô, que fantasia é essa que ela está usando?”, Matheus tremia comovido, ele e o
avô tinham engolido às pressas o jantar com a família e corrido para o posto de
observação no sótão. Não queriam perder um segundo da noitada que estava se
armando na casa da vizinha.
“Você
não tem idade pra reconhecer a personagem... Matheus, a deusa da luxúria que
você está vendo é uma reencarnação da Vampirella, uma heroína dos quadrinhos
que era uma mistura de filha do Conde Drácula com a Barbarella”, o avô já nem
escondia a gulodice no olhar, sem se aperceber, acariciava lascivo o corpo da
luneta.
“Não
é mole não, essa bagaça vai cair... não é possível! São só uns fiapos de nada
cobrindo os bicos dos peitos, a xoxota, e amarrados atrás...”, o menino tinha
razão, a produção da vizinha era de fechar o comércio no dia das mães: botas de
salto pretas, tiara dourada no cabelão preto, e duas tiras exíguas de tecido
vermelho trançadas sobre o corpo sem muito compromisso de cobrir o essencial.
“Você
viu? O panaca do namorado nem se tocou do pitéu, ela botou um casaco por cima e
foi pra sala, vai ver que só mostra o material à meia noite...”
“Que
será que eles estão esperando?”
Com
efeito, Zaba preparava uma surpresa para o namorado, mas Nino teria muito mais
com o que se espantar além do figurino dela. Enquanto os convidados não
chegavam, ela mandava uísque pra dentro como se fosse guaraná. Sem gelo, na
levada do caubói. Ria feito louca desatada.
“Meu
bem, você não acha que está exagerando no combustível? Quando o povo chegar, cê
já vai tá bem do breaca...”, meio contrariado, o namorado traíra aceitara se
fantasiar: calça branca, sapato bicolor e medalhões de ouro ressaltando no
peito aberto da camisa estampada, estava o perfeito gigolô. Sugestão dela.
“Nem
vem, Nino, não é você que vive me enchendo porque eu só trabalho? Que não
aproveito a vida? Então, hoje eu tô numas de atolar o pé na jaca. Vamo festar,
tchutchuco! Uhu! É hoje que o mundo acaba! Enche o teu copo, vai, tira esse
bico da cara”.
“Que
fantasia é a sua? Com esse casacão nem dá pra ver...”
“Surprise, darling, muita calma nessa hora. Tudo a seu tempo. Ah, o interfone,
tem alguém chegando”, levantou-se antes que ele pudesse reagir. Abriu a porta
para a personal trainer, a amante
encabulada que chegava vestida de caipira de festa junina.
“Oi
amor, você é a primeira a chegar, mas não fica sem jeito, por favor. Tó, pega
este uisquinho e já vai entrando no grau. Amanhã você faz um treino reforçado
com o Nino pra perder as calorias da festa... Que caipirinha mais fofa que cê
tá, linda! Não é mesmo, Nino?”
“Sim,
claro, ela fica muito bem de tranças...”
“Obrigada...”
“Hahaha,
nessa trança, o fio solto sou eu!”
“Hã?!”
“Nada
não, vou mudar a playlist. Fiquem à vontade aqui na sala. Hoje só quero música
dançante.”
Dali
a pouco chegaram os outros convidados, todos de uma vez. Duas vans alugadas
despejaram vinte convidados, também eles alugados: Zaba contratara garotos e
garotas de programa para dar uma ‘animada’ na festa. Nino ficou boquiaberto ao
ver adentrar aquela casa paginada pelo Armentano, sentarem-se nos exclusivos
móveis Campana, uma camarilha de arlequins, vamps, índios de charutaria,
garçonetes, enfermeiras, boxeurs, freiras, policiais, professorinhas,
bombeiros, encanadores, colegiais... todos e todas, sem exceção, em trajes
sumaríssimos.
Puxou
a namorada de canto, furioso: “Zaba, você quer me fazer o favor de explicar
esta loucura? Que gente é essa?”
“Ué,
que gente? Ora, Nino, gente que nem eu: com dois braços, duas pernas... ou
melhor, gente que nem você, que troca sexo por dinheiro. Só que eles têm uma
ética, cobram um preço fixo por isso, não ficam fingindo que fazem por amor.
Como você e essa vagaba dessa personal!”
“Vô,
cê tá pensando o mesmo que eu?...”
“Acho
que sim. Quer saber? Vai rolar uma baita de uma suruba lá... Dá uma trancada na
porta do quarto, Matheus. Sua mãe tem a mania de entrar sem bater.”
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