― Tou falando
procês... rapaziada, é a Primavera do Leste Europeu, a ponta de estoque desses
países vocês não acham aqui nem no shopping de luxo: Estônia, Lituânia, República
Tcheca, Albânia, Valáquia, Ucrânia...
― Tá bom, tá
bom, mas daí a dizer que a Ana Hickman na Ucrânia não serve nem cafezinho, é
meio over...
― Que nada. Lá
ela não paga pule de dez. Vou trazer a Olienka aqui pra cês babarem na gola. Só
não pode encostar a mão na minha deusa do Cáucaso...
― Escuta,
Aber, na real, tu comprou essa
ucraniana?!
― Bem, essa é
uma maneira feminina de colocar as coisas... são os azares da globalização, prefiro
pensar que estou ajudando uma família em apuros. Mas é que os coitados... lá rola uma
pindaíba sinistra: crise econômica, invernaço de quarenta negativos, meu, se
faltar aquecimento morre metade da população!
― Abre seu
Face, mostra as fotos senão ninguém acredita ― eu já conhecia a Olienka, uma
loiraça difícil de tirar os olhos de cima, um metro e meio de pernas ―, além de
quê, com o seu retrospecto, quanto menos gente você apresentar ela, melhor...
― Hahaha, na
boa, Aber... quanto?
― Aí é que a
coisa fica linda: mando o equivalente a mil e quinhentos por mês, acho que uns
dez ucranianos sobrevivem dessa grana. O melhor é que a sogrovska me idolatra,
e ainda vive do outro lado do mundo. Melhor que isso, só dois disso...
― Pô, meu, picanha
de primeira... certeza que a Sharapova aí deve ter umas amigas da hora pra
apresentar pra nóis!
― Muita calma
nessa hora, isso ainda não tá ao alcance da classe C... primeiro, a passagem aérea
da Ucrânia é uma bala, e depois, ela exige passar o Natal com a família. Fora
os gastos dela aqui, correndo por minha conta. Bom mesmo era quando ela não
falava uma palavra em português...
O Aber talvez
seja o ser mais humano que conheço: consegue a proeza de ser digno de desprezo,
inveja e pena no mesmo grau e proporção. A firma dele presta serviços à minha,
judeu arquetípico, é sócio do irmão e mora com a mãe aos cinqüenta anos de
idade. É um serial corno. Recusa-se a entender porque a mulherada dá com o pé
na bunda dele depois de seis meses, em média. A última foi um verdadeiro nocaute egóico:
meteu-lhe uma galhada de envergonhar as renas do Papai Noel, deu até pro moto
boy da empresa.
E com a
ucraniana a presepada já começou, ou antes, recomeçou. A mãe não deixou o Aber
morar com ela, solução: instalou-a num flat. O tontão virou entidade
mantenedora, enquanto a Olienka, que progride na língua a olhos vistos, tratou
de estabelecer convênios alternativos. A situação nas ex-repúblicas soviéticas
não está bolinho pra ninguém.
Sem perceber o
que até surdo vê, o paspalho acha de usar camisas da marca Abercrombie &
Fitch ― sim, isso mesmo, a marca de roupas norte-americana cujo logotipo é um
frondoso alce. Daí pro pessoal começar a chamá-lo de Abercrombie foi um passo,
a abreviatura Aber veio como conseqüência natural. “O chifre é próprio do Aber,
o alce usa de enxerido”, virou trending topic na 1Q84.
Quando contratamos
um funcionário é sempre a mesma água: na entrevista inicial comparece o homem
(ou a mulher), mas quem vem todos os dias pegar o batente, é a criança. Incrível
o quanto as pessoas regridem num grupo relativamente fechado. É como se
voltassem ao tempo de escola, ou até àquele manicômio primeiro e primordial, a
família. Mais incrível ainda é o fato de ser o enforcado, invariavelmente, a
trazer a corda que o enforca.
― Boa tarde,
senhor, isso são horas?
― Foi mal,
chefia, teve fuzuê no trem, acabou que atrasei...
― É, Gaúcho, perdoa
aí, o cara mora na zona Lost, dois pontos depois da pequepê, lá onde o vento
faz a curva.
―... e onde o
Judas perdeu as pregas!
― Ih, mano,
foi mó resenha... bem do meu lado, o CPTM com gente saindo pelos tampo, maluco
tava lá descascando uma bronha na maciota... disfarçava com uma pastinha, daí,
na hora de gozar, o mané largou a pasta e borrifou em cima de uma mina. A
mulher começou a berrar, armou um bafafá do carai, os passageiros foram pra
cima dele... nego só não foi linchado porque os guardinha da estação seguinte
apareceram.
― Hmm,
suspeito... borfaram na sandalinha...
― A pergunta
que não quer calar: sobrou uma gala espirrada pro teu lado?
― Que nada,
mano, eu tava esperto. Maluco tinha pinta de ser treze, deu até dó o jeito que
a fuça dele ficou... O cara tem que ser discreto. Eu, por exemplo, quando tô na
necessidade, bato uma aqui no banheiro...
Pronto, falei.
Morria desta forma o cidadão Kléver da Silva Gomes, e nascia o instantaneamente
famigerado Gozadinho. Além da alcunha, o mané ganhou dos colegas a cronometragem
rigorosa de cada uma das suas idas ao toalete, aliás, hoje todos evitam usar o
banheiro depois do Gozadinho. E também mudou a forma comum de saudação ―
inclusive com as mulheres ―, adotou-se o cumprimento black: punho contra punho,
ambos fechados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário