domingo, 2 de junho de 2013

O último fim de mundo do milênio (epílogo)



PROFESSOR CAMARINHA & NATASHA 23:50

            Um estrondo, vindo da porta dos fundos. Vozes. Vários homens falando ao mesmo tempo. Em seguida, escutaram o ruído deles entrando pela casa, derrubando objetos, conversando entre si de um cômodo para o outro. Não se distinguia o assunto. Os dois se olharam, os olhos do professor expressavam terror e estupefação, Natasha calculava. Os passos convergiam agora para a sala.
            “Mas que... será possível?... não, este condomínio tem muita segurança, não pode ser...”
            “Fica em silêncio e não sai da tua posição. Presta atenção, vou soltar as algemas, mas continua com as mãos pra trás. Pode vir a ser a útil”, Natasha recolocou a capa de vinil e se encostou num buffet a três passos de distância da coluna onde jazia o escravo sexual. Aparentava calma diante do perigo.
            Quilô, o brucutu do bando, arrebentara a porta dos fundos com um único pontapé. Metaleiro e seus homens saíram roubando tudo que podia ser carregado: jóias, celulares, televisão de tela plana, fax, computador, até mesmo o microondas entrou no butim. Os seis foram chegando uma a um à sala, todos paravam, estupefatos. Esperavam encontrar o Exu-caveira, mas não a cena que viram. Parecia a brincadeira de criança conhecida como ‘estátua’. Calunga quebrou o feitiço.
            “Ca-ca-caralho, ma-mano, o ca-cara tá todo ca-cagado!”
            “Que é que tá acontecendo aqui?”, refeito da surpresa, Metaleiro reassumia a voz de comando.
            “Gozado, parece que é você que deveria responder essa pergunta...”, Natasha usou sua voz mais calma para falar, enquanto isso, parecia muito ocupada com a carteira do professor.
            “É, afinal de contas, esta casa é minha e vocês...”, a frase do professor tentou emular o tom firme da Dominadora, mas foi se acoelhando, diminuindo, até terminar num murmúrio ininteligível.
            “Que porra é essa, uma festa de carnaval? Por que esse cara tá amarrado com essa máscara, todo lanhado e coberto de merda, hem?”
            “Escute, moço...”
            “Cala a boca, mané! Tô falando com a mina, que é quem tá de chefia aqui pelo visto”, Metaleiro podia não ter MBA em Harvard, mas isso ele tinha sacado de primeira.
            “Isto aqui é uma festa privada, mas não somos nós que devemos explicações, percebe?”, ela demorou um tempo excessivo para responder, e quando o fez, mal levantou os olhos da carteira do professor. Contava as notas de dinheiro vivo.
            O Velho se aproximou de Metaleiro para falar, carregava um fax no braço esquerdo.
            “Se liga Metal, isso daí é um bagulho de pervo. Chama sócio-comunismo, um bagulho assim, os bacana contrata umas vagaba pra esculachar eles, cuspir na cara, enfiar prego... coisa de granfo”.
            “Aí mano, da próxima vez tu pode economizar, esculachar bacana é com nóis mesmo, vacilão!”, a gargalhada do chefe desencadeou o riso geral. Passado o momento de distensão, voltou-se para Natasha, cuja atitude o irritava desde o começo: “Ô vadia, tô achando que tu não tá entendendo bem a parada... vamo largando aí o que não te pertence!”
            “Não me pertence? Isto daqui é o meu pagamento. Serviço feito, pagamento feito. Não pego o que é dos outros, só o que é meu”.
            “Quilô, dá uns pega nessa mina que ela já tá me gastando”.
            “Demorou, Metal”.
            Quando todos os olhares se voltaram para ela, o revólver já estava apontado para o grupo de invasores. Natasha, com notável timing cênico, aproveitou para engatilhar a arma. O clique seco ecoou na sala silenciosa.
            “Grandão, deixa eu te explicar uma coisa: este é um trinta e oito cromado, não trava nunca. Eu atiro bem pacas. Sabe onde vou mirar? No teu saco. Você vai cair gritando e eu ainda vou ter uma bala pra cada um dos teus amigos, que não vão te ajudar. Com sorte, você sai vivo e capado dessa, mas, se o resgate demorar, tu vai sangrar feito porco até morrer nesse lindo tapete persa”.
            “Qual que é mina, tá bem loca?”,a voz de Metaleiro traía uma vacilação, já bem menos impositiva.
            “Tô não, cara. Sou uma profissional, vocês não. Nenhum de vocês tá armado. Vamos fazer um acordo: vocês saem por onde entraram, levam o que têm na mão e o professor aqui não presta queixa. Afinal, esta é um situação difícil de explicar numa delegacia, certo?”
            “Quem garante que cês não chamam os gambé na hora que nóis sair? O que mais tem neste muno é Judas, fia...”, Metaleiro vacilava, os outros confabulavam em voz baixa.
            “Não vai ter essa. Somos todos gente da paz, não é mesmo? E depois, maior preju, começar o ano com uma azeitona quente na barriga...”
            Os baderneiros se retiraram resmungando. O trato era bom para todos, ninguém queria mesmo forçar demais a corda. Já tinham o suficiente para a festa.
            Natasha pegou o carro e saiu do Sunrise Village no momento em que os fogos estouravam nos céus da metrópole. Estava de bem com a vida. Apalpou a arma de brinquedo no bolso do casaco. Assim era vida dela, cheia de emoções. Era isso que ela era: uma verdadeira artista.


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