E
isto funciona.
Mas
funciona, como?
Funciona,
apenas funciona. Tudo funciona, e é isto o mais inquietante, que tudo funcione,
e que este funcionar impulsione cada vez mais longe o funcionamento.
A organização
moderna do caos.
Pode apostar.
Mas se aqui só
há setecentos e poucos habitantes fixos, vá lá, que chegue a mil e trezentos no
verão...
Pensa,
são setecentas pessoas, tira as crianças, o bicho gente é estatístico igual aos
outros: por volta de dez por cento. Daí que temos uma metade da laranja que não
interessa, e vice versa, sobram os outros trinta e cinco com gostos mais ou
menos semelhantes.
Trinta
e cinco?
Desses,
digamos que dez não queiram nem pintado de ouro, ainda ficaram vinte e cinco. E
sem contar os flutuantes eventuais...
Vinte
e tantos... plus extras?
Estes
últimos são menos regulares, mas mais emocionantes.
E
eu pensando que as cidades pequenas eram monótonas...
A
cidade era realmente pequena, mais para vilarejo que outra coisa. Um quilômetro
de extensão ao longo de uma estrada que se bifurcava em Y na direção do sul. No
entroncamento de onde partiam as três direções possíveis, ficava a capela
centenária, marco zero do povoado; crescendo a partir da pista de duas mãos sem
acostamento, um bordado irregular de casinhas e pequenas propriedades se
esparramava rumo aos campos e
montes circunvizinhos.
A
agência bancária, os correios, um posto de saúde, a igreja, a prefeitura, o
mercadinho e o café, eram os pontos focais da escassa população. Apesar do extenso
calendário de festejos e eventos religiosos e cívicos, havia em curso um
acalorado debate público sobre qual a data mais adequada para se comemorar a
fundação do município. No fundo era uma guerra santa, já que o aniversário da
cidade coincidia tradicionalmente com o dia de São Simeão, santo da paróquia,
embora não fossem poucos os que defendessem oficializar o dia do padroeiro da
capela, São Leonardo, o que acarretaria mudar a maior festa da cidade do dia
seis de novembro para o dia cinco de janeiro.
Engana-se
quem pensa.
Não
há um único homem que não seja um descobridor...
E
as mulheres são o quê, uma descoberta?!
Bom,
eu falava num sentido geral...
...
claro, as mulheres costumam estar fora do sentido geral. É o hábito.
Contudo,
sempre há alguém que surge do nada e abre uma porta...
...
para o infinito. Como esta discussão.
Odeio
adversativas. Contudo deveria ser com-tudo,
mas, porém, todavia, no entanto, contudo sempre deixa de fora uma exceção: um
mas.
São
os parasitos, partículas da disjunção, da confusão de alhos com bagulhos.
Muito
piores são os expletivos, perfeitamente dispensáveis.
Senhores,
senhoras... voltemos, assim nos perdemos no assunto principal, digo, do
assunto...
Pois
é, voltemos e votemos, precisamos decidir entre o seis e o cinco.
...
uma unidade, apenas.
Qual,
são dois meses de intervalo!
Dois
meses, menos um dia.
Roma
e Pavia...
O
fato é que não conseguimos decidir nada, está acontecendo o que acontece toda
vez: não chegamos a lugar nenhum.
Mas...
se isto que chamo de lar, o chão onde descansam os ossos dos meus antepassados,
é o próprio lugar nenhum...
Nós
nunca vamos sair daqui, somos os que ficaram pra trás.
Por
quê? Presos a quê?
Ao
dispositivo.
Dispositivo?
Não
é só o sistema que demonstrou sua eficácia milenar, mas um lento, profundo e
implacável enfeiamento do mundo que empobreceu a experiência de todos e cada
um, substituindo-a por uma ciranda de desejos mesquinhos e jamais satisfeitos.
Nada
além de sombras, aqui nunca acontece nada.
Todo
indivíduo projeta a si mesmo no que está à sua volta.
Quando
souber de quem sou a sombra, indiferentes serão para mim vida ou morte.
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