Uma
omertà secreta e muda, de gestos tensos, havia sido pactuada por todos os
moradores desde o sucedido: sem se darem conta, esquivavam a mira do olho no
olho. Pessoas outrora ajuizadas escutavam com ansiedade as mais simples
cortesias, liam-se os lábios, freqüentemente pediam pela terceira vez para
repetir um sim ou um não. O mais x era que se adaptavam insensivelmente (a
consciência do problema chegava às raias do camaleônico), muito porque, na
prática, se podia seguir fazendo o que se fazia antes, não havia necessidade de
interromper nem modificar nenhuma atividade.
Era
uma espécie de magia, mas tão terrível, ou tão falsa, como o truque de serrar a
assistente do mágico no palco.
Procuro
palavras com a urgência dos tolos.
Já
tinha percebido, é como se você fosse uma metralhadora giratória disparando
signos contra o muro das coisas.
...
quero atingir o que não sei, o que ainda não existe.
Isso
já deve ter acontecido a você, aconteceu comigo, também eu não sei onde vai dar
esta história.
A
gente vai vivendo aos rabiscos, jogando nomes ao acaso, iscando e ciscando pra
pegar o que está dentro, fora, ou além.
É
um bocado inquietante esse bloco no meio da vila, assim, surgido sabe Deus de
onde...
Não
vai dar, não corre o risco de dar certo.
Você
acha?!
...
as emoções... elas se chocam dentro de nós como os blocos de gelo no mar dos
pólos.
Tudo
é a mesma matéria, mas a palavra se choca com a vida, você sabe.
Alguns
viram quando o furgão branco parou na pequena rotatória da bifurcação da
estrada, e desceram os dois funcionários uniformizados que abriram as altas
portas traseiras. Depois de instaladas rampas de metal na carroceria, um
terceiro ajudante desceu de lá num bobcat, despejando junto ao marco do centro
um paralelepípedo de dois metros e meio de altura por oitenta de largura. À luz
do fim da tarde de outono, aquela geringonça de aço escovado emitia irradiações
prismáticas singulares, a ponto das testemunhas divergirem unanimemente sobre a
cor das roupas dos homens, a placa do furgão, e até mesmo a direção tomada ao
sair da cidade.
A
princípio pensou-se em algum engano, uma entrega equivocada de alguma agência
governamental. Ao cabo de uma semana cada agência pública do país havia sido
consultada, cada obra em andamento contatada, pesquisas exaustivas em banco de
dados ― as respostas invariavelmente negativas iam exasperando o conselho dos
munícipes reunidos em sessão permanente. As primeiras desavenças não tardaram.
Agremiações políticas rivais fizeram circular teorias abstrusas sobre manobras
intimidatórias, conspiratóras, até mesmo derrisórias, com vistas a tumultuar as
próximas eleições.
Porém,
as eleições vieram, e o pesadume daquele evento sem explicação continuou a
angustiar os corações da comunidade. O estado de emergência se desfizera, mas
as bizarrices do objeto permaneciam como um enigma lançado à cara de todos,
interpelando-os sem cessar, desafiando a céu aberto. Fosse qual fosse o metal
daquele monólito maciço, nenhuma broca sequer arranhava a superfície dele, dois
tratores atrelados por correntes não o moveram um centímetro do lugar. Especulações
corriam soltas, o padre admoestava nos sermões, multidões vinham em romaria.
Até
que a novidade cansou, os visitantes se foram, e eles voltaram a ficar sozinhos,
entregues ao involuntário monumento da própria afronta. Foi uma criança da vila
que descobriu a inscrição em baixo relevo numa das faces do troço reluzente:
“Nothing
Box”.
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