terça-feira, 1 de maio de 2012

Os BFFs (parte 1)






            O acaso também há de ter a sua tecnologia; uma maquinaria complexa e arbitrária capaz de fazer reagir a espessura do mundo, capaz de tecer os destinos mais improváveis, de cruzar os caminhos mais díspares ― até mesmo o aleatório teria as suas razões?
            Claro, porque, depois das duplas Pelé-Coutinho, Holmes e Watson, Johnson & Johnson, Laurel e Hardy, Washington-Assis, Tom e Jerry e do ZZ Top, todo mundo conhecia a dobradinha WM na prefeitura de São Bernardo; para amigos e conhecidos, Mansueto Carrascoza e Walfrido Pantaleão formavam a mesma, una e única, substância. Corda e caçamba, tranca e tramela; dois minutos antes do Big Bang já estavam juntos, brincavam.
Eram amigos de mijar cruzado, mas não que se conhecessem desde sempre, muito ao contrário. Ambos haviam cumprido carreiras paralelas no serviço público e na estrutura burocrática do mesmo partido político; Mansueto era gestor de recursos humanos em Itaquaquecetuba, enquanto Walfrido se destacava como assessor da área financeira em Mauá. Chegaram à cidade fundada pelo aventureiro João Ramalho a bordo dos famigerados cargos comissionados, os DAS (Direção e Assessoramento Superior).
Quando o partido ganhou as eleições para prefeito de São Bernardo do Campo depois de longo período na oposição, houve demanda por “quadros” qualificados para realizar uma administração modelo, que funcionasse como cartão de visitas na região. E assim, requisitados aos respectivos diretórios, é que foram se encontrar na secretaria que gerenciava os editais e as licitações da cidade com o 13º maior PIB municipal do Brasil.
WM realizavam uma tarefa importante e delicada, crítica mesmo, tanto no âmbito do governo como dentro da hierarquia partidária: direcionavam as compras de obras, equipamentos e serviços da municipalidade de modo a que os financiadores de campanha e parceiros econômicos recebessem suas merecidas contrapartidas em contratos públicos. Pode-se dizer que eles compreendiam o verdadeiro espírito do princípio de checks and balances.
Vista do alto, a coisa toda tinha a precisão dos relógios suíços que adornavam os pulsos dos nobres dirigentes do ABC paulista: por meio de aditamentos de contrato, suplementações orçamentárias e verbas extras, gerava-se um sobrepreço nos gastos públicos que deveria custear os participantes do esquema, o silêncio da câmara de vereadores, além dos recursos para a cúpula do partido e a formação do caixa “não contabilizado” das futuras campanhas.
Walfrido era pastor evangélico, carismático, grande obreiro. Tanto fez que trouxe o colega e a mulher para a sua congregação; as famílias estreitavam a cada dia o convívio, tinham filhos quase com a mesma idade que eram colegas de classe na escola. Mansueto, empreendedor nato, montou com o amigo uma empresa de aluguel de carros blindados para transportar as quantias em espécie que circulavam farta e descuidadamente à sua volta em bolsas, jaquetas, meias, sutiãs e cuecas. Usaram as esposas como ‘laranjas” para registrar a transportadora.
― Manso, meu irmão, tô ficando com medo disso tudo... não sei, esse enrosco todo que a gente (suspiro), você sabe, desagrada a Deus, dinheiro não traz a felicidade...
― Sai dessa, Waldo, é claro que o dinheiro não traz a felicidade. Ele só acalma os nervos. Você tem mais é que aquietar os seus... veja o lado bom: não foi você que me disse que as brigas com a patroa diminuíram, acha que foi por quê?

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