― Irmãozinho,
de boa, cê tá me zoando? Que porra é essa... nunca ouvi falar que isso existia,
Fala logo o que quer de mim e cada um segue seu caminho, firmeza? ― Cyonil
percebeu irritado que não conseguia desgrudar os olhos de uma mancha rosada no
pescoço do tal cobrador.
― Pois então,
você achou que esta hora não ia chegar: instalou “gato” de TV a cabo, comeu as
donas de casa que lhe abriram as portas de casa e as pernas, aproveitou pra abafar umas coisinhas
delas certo de que não iam te denunciar por vergonha, e ainda quer sair dessa
sem pagar nada... é muita cara de pau, mano! Cumpre o que prometeu um dia, lá
atrás quando tudo começou, e nunca mais você vai me ver...
― Mas... se eu
não sei nem do que você está falando, vou pagar como? ― a conversa ia ficando
perigosa pra ele; talvez o carinha fosse da empresa de telefonia, pensou
aflito.
― Sossega
rapaz, não sou da ‘firma’ não, minha instância é outra... ― pausou, aguardando
o pasmo do moço com a verbalização do seu pensamento e voltou à carga ― Vou te
dar um auxílio-memória, já que tu esquece tão facilmente certas paradas: você
era um garoto, dezessete anos, a tua mina engravidou, você pediu pra ela
abortar, daí, ela sumiu... coisa de uns dois anos, ela te mandou um e-mail,
você tinha uma filha de treze anos, uma garota que só queria conhecer seu
pai... e você, nada, recusou contato; tá lembrado agora?...
― Pô cara, cê
tá me deixando mais pra baixo que cu de cobra...
― Mas não
acaba aí, você prometeu a si mesmo que ia dar um presente de quinze anos pra
essa menina, ia dar todos esses bagulhos roubados durante anos de vida bandida,
foi ou não foi?...
― Chega! ―
esmurrou a mesa, todo o bar fez silêncio esperando rebentar a treta. Cyonil se
acalmou, esperou as atenções se dispersarem novamente. ― Desembucha mano, que é
que eu tenho que fazer?
― Ora, ora...
até que enfim... então, meu camarada, que tal fazer uma coisa até o fim? Uma só
na vida...
― Você não tá
entendendo o meu lado... casei de novo, hoje tenho uma família, filhos pequenos
pra criar... minha mulher não sabe de nada disso, não posso, cara.
― Seguinte:
não tô aqui pra julgar ninguém, nem pra entender os seus motivos, o que está
feito, está feito; o que não pode é ficar uma promessa sem pagamento, até
porque o que você pediu foi entregue...
― Bela roba!
Quanta promessa que neguinho faz neste mundo e não paga, só eu que tenho de me
foder por isso?
― Ah não, isso
te garanto que não! ― assumiu um ar de extrema seriedade ― No meu departamento
não tem arreglo nem presepada, te garanto; você pediu impunidade, obteve, fez e
desfez e nunca houve sequer uma queixa... você nem imagina as mentiras que
aquelas mulheres que você papou tiveram que contar para explicar o sumiço dos
objetos roubados... É, você se incomoda quando falo em roubo, né?, mas a
palavra é essa mesma: rou-ba-do...
― E daí? Um
erro vai corrigir com outro? Dar o que não é meu para uma filha que não é
minha...
― Isso mesmo.
― Quem é
você?... de verdade, eu quero dizer...
― Sou isso
mesmo que você acabou de dizer: um servidor que tenta fazer um acerto a partir
de dois erros...
― Nada feito,
cara. Simplesmente não posso.
― Bem, se é
assim...
O sujeito
levantou-se da mesa, foi até o caixa e pagou a conta. Saiu do boteco e virou à
esquerda na rua sem olhar para trás. Mal havia desaparecido do campo visual,
parou uma moto na calçada em
frente. Os dois homens desceram da moto sem tirar os
capacetes e entraram no bar. Não disseram uma palavra, apenas descarregaram os
revólveres a esmo.
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