sábado, 18 de fevereiro de 2012

comer, beber e f...


Os grandes momentos da vida costumam pegar ao desprevenido, não poucas vezes, chegam quando já não esperávamos muito mais coisas dela. Acontece que o mundo é dos teimosos, e quem muito teima, vez que outra, alcança. Insistência é o que nunca faltou a Cirlene, 57 anos no lombo, trinta deles ralando como auxiliar de enfermagem, 4 casamentos e... nada! Nadinha, nadica, neca de pitibiribas; nem um orgasmozinho mofino sequer para constar no currículo.
O terceiro marido, o fanático por estatísticas esportivas, tinha comparado as suas décadas de frustrante vida sexual com uma partida de futebol: bem disputada, muita entrega e movimentação, mas, caminhando para o final do segundo tempo sem gols. Era o fundo do poço: além de não contribuir para a solução, o sujeitinho ainda se dava ao desfrute de fazer graça com o tesão (ou a falta de) alheio.
Atual pretê da Alemoa, apelido de Cirlene, o improvável Silvino poderia parecer à primeira vista o candidato menos adequado para realizar a façanha: funça aposentado, calvo, magricelo, barriga de cerveja e bafo de onça, ele lembrava uma coxinha espetada em quatro palitos permanentemente ensopada de pinga. Ninguém suspeitaria nele o sherpa ideal para guiá-la ao Morro dos Prazeres, que dirá, aos cumes do Everest.
Vota-se ao logro, porém, quem se fia demais nas aparências. As décadas de Silvino mediam-se em tonéis de destilados e fermentados; o álcool já havia estragado diversos órgãos e arruinado sistemas inteiros em seu corpo, no entanto, restava-lhe indene e impávida a piroca. Não era, assim, um Gigante Adormecido, uma manjuba de jegue, mas estava plenamente operacional, para orgulho do piauiense de Oeiras, pai-d’égua, macho pra mais de metro que era.
Percebendo que a mina era de responsa, resolveu investir na conquista; convidou-a para uma reunião da categoria em São Paulo, tendo previamente fechado um acordo com o hotel onde tinha reserva. Por uma quantia adicional, paga pela taxa anual dos companheiros arquivistas, fez um up grade de quarto de solteiro simples para suíte romântica. Um bem-bolado de política e amor às custas do sindicato.
O Hotel Savoy oferecia este mimo para casais em lua de mel, a suíte nupcial especialmente preparada: quarto duplo, ofurô, cama king size, velas, incenso e 3 tipos de pétalas , tábua de frios, frutas da estação e champanhe no balde. O problema foi o trânsito que pegaram saindo da Castelo para a Bandeirantes; Silvino angustiava-se no carro imaginando as pétalas murchas, o champanhe esquentando, as velas queimando o carpete e o cortinado... Fogo? Estaria o seu ninho de amor pegando fogo?
Finalmente, depois de muito anda-pára, chegaram. Contra as sombrias perspectivas, o quarto estava um brinco; a Alemoa ficou emocionada com a surpresa. Trataram de não economizar na cera, já que o defunto era bom: comeram, beberam (que dúvida!) e amaram ― não necessariamente em ordem alguma. Cirlene, que já conhecia o sexo com e sem amor, descobriu o que é trepar com sacanagem, muita sacanagem.
Raparigueiro contumaz, além de experimentado comedor de repartição, Silvino dispunha de um arsenal infindável de técnicas capazes de metamorfosear desde escriturárias a chefes de seção em lagartixas. Isto sem falar dos “brinquedinhos” e acessórios que trouxera; com a voz roufenha e arrastada à la Pereio, propunha deboches e dizia-lhe ao ouvidinho putarias que nunca suspeitou que alguém pudesse sonhar. Ela, que recorrera aos cursos de pompoarismo, massagens tântricas e até a uma estadia num ashram do Rajneesh, via-se agora apresentada, com desassombrada naturalidade, ao frango assado, meia-nove em pé, carrinho de mão, DP, chuva preta e amarela, televisão-de-cachorro, gangorrinha, etc.
― Vem meu galo doido... isso... me come bem gostoso, come a sua cachorra... au, au, AUUUU!... ― e foi assim, a cavaleiro daquele cavaleiro de triste figura, mas de lança em riste, que obteve a sua primeira epifania. Mas eis que o sétimo céu dos poetas, o clímax da excitação, o zênite do prazer, o nec plus ultra do gozo vinha para ela com o selo da graça divina e, de brinde, um susto dos diabos: o orgasmo inaugural da debutante fez-se acompanhar de uma dor de arrebentar a tampa da cabeça.
Assustada, lembrou da profissão; pensou que podia ser um derrame, estaria “fazendo” um AVC? Nunca tinha sentido algo como aquilo. Pelada como estava, correu para pegar o notebook entre os seus pertences: precisava consultar o Doutor Google. Digitou todos os sintomas e obteve várias respostas; uma delas chamou a atenção de Silvino, que acompanhava curioso a pesquisa: “cefaléia orgástica”. Leram alguns artigos, não havia dúvidas, Cirlene sofria de uma não tão rara condição em que ao gozo sexual sucedia a dor de cabeça. Podia vir a melhorar com o tempo.
Ele ficou todo crencho, coçava alternadamente o barrigão e o saco; sentia o ego inchando de tanta auto-estima, via-se no papel do porco barrão, o garanhão da meia idade, o dono da varinha mágica. Foi para a janela fumar um cigarro, num momento de enlevo, acreditou ler no maço: “O Ministério da Saúde adverte: sexo selvagem pode causar muita dor de cabeça”.

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